Haroldo Furtado e o futebol no Amazonas

Haroldo Furtado e o futebol no Amazonas

Conheci Haroldo Furtado em dezembro de 1968. Eu era repórter do jornal O Paiz, no Rio, enviado ao Amazonas pelo diretor de redação Joel Silveira para cobrir a morte do padre Calleri que havia invadido o território Waimiri-Atroari. Os ossos e os crânios do padre e de mais 8 membros da expedição haviam sido transportados a Manaus por um avião da FAB. No encontro que mantivemos, Haroldo que era, antes de tudo jornalista, me deu dicas e contatos preciosos com militares e indigenistas, embora fosse repórter da Editoria de Esportes de A Crítica, chefiada por Belmiro Vianez, um empresário português emigrado de Póvoa de Varzim.

Dizem, dizem, eu não sei, que Haroldo, que escrevia muito bem, era o autor de muitas das colunas assinada pelo Belmiro, responsável também na Rádio Difusora pelo programa “A Hora da Onça”. Um dia em que o jogo São Raimundo x Sulamérica terminou com muita pancadaria, Belmiro berrou na rádio: “Sangue vermelho no Parque Amazonense”, equivalente ao “Tá lá um corpo estendido no chão”. Quando um rádio ouvinte telefonou pedindo detalhes, Belmiro confessou publicamente, no ar, a existência do seu alter ego: – Eu não vi o jogo. Eu não estava lá. Mas o Haroldo viu e me contou tudo.

No nosso primeiro e fugaz encontro, tomamos umas e outras no bar do Carmona, na rua Lobo D´Almada. Lembro que boa parte da conversa girou em torno do Nacional Futebol Clube, campeão de 1968 com Marialvo, Berto, Téo, Rolinha, Pretinho, Pepeta. Os jogadores, tanto os daquele momento, como os do passado, eram conhecidos do Haroldo, inclusive por seus apelidos folclóricos: Pololoca, Beleleu, Tongato, Pau Fedendo, Fernando Bostinha, Cipó de Fogo, Passa-Fome e tantos outros que fizeram parte de matérias publicadas na primeira revista esportiva mensal do Amazonas – A Bola.

O gol do tacacá

Foi aí que o jornalista Jefferson de Souza, em parceria com Haroldo Furtado e Manuel Muniz, chutaram A Bola para o leitor amazonense. A revista bombou. Andei escrevinhando e publicando algumas matérias em suas páginas, como a matéria sobre o Rolinha, depois que uma torcedora do Nacional gritou no estádio: – “Rolinha, meu amor, faz um gol pra mim” e outra sobre o gordo Gonzalito, o paraguaio que era técnico do Sulamérica se não me falha a memória.
A partir daí uma sólida amizade foi construída, retomada quando regressei a Manaus, já formado, em janeiro de 1969. Convivemos então mais de oito meses quase diariamente na redação do jornal, de onde saíamos, depois de cansativas jornadas de trabalho, para o Centro de Lazer e Recreação conhecido como “La Hoje”. Era uma turma boa: João Rodrigues – o Pinducão, iniciando a carreira de repórter fotográfico, Geraldão, Tuta, Cado, às vezes Irandir e Abrahim Aleme e até o poeta e jornalista Luiz Pucu.

Haroldo gostava de contar alguns lances de futebol como naquele jogo Rio Negro x Nacional no Parque Amazonense. A bola ia saindo pela linha de fundo, quando o atacante Pepeta correu para alcançá-la. Não deu. Mas um policial, um PM, que estava na beira do campo, torcedor do Naça, deu um leve toque na bola, que serviu como um passe para o atacante, que fez o gol no Rio Negro.

A outra história que o repórter contava, mas essa Belmiro não assinou embaixo, aconteceu com o mesmo Pepeta no Estádio da Colina, ele teria driblado uma vendedora de tacacá que ficava atrás da trave, com tanta rapidez, que o árbitro validou seu gol. Felizmente não havia VAR naquela época, só a VAR-Palmares em luta contra a ditadura empresarial-militar.

História do futebol

No jogo Seleção Brasileira 4 x 1

Seleção do Amazonas no Vivaldão, inaugurado em abril de 1970, foi tirada uma foto histórica do filho do editor Jeferson de Souza, o cantor Paulinho Kokai, no colo do Pelé, publicada na revista A Bola com texto de qualidade do Haroldo, se a memória não me falha outra vez.

Falar de Haroldo Furtado de Paiva nos leva imediatamente ao futebol no Amazonas, que ele tanto amava, embora depois tenha explorado outros campos do jornalismo, atuando como assessor de comunicação dos governadores Gilberto Mestrinho e Amazonino Mendes. O fato de eu manter depois uma coluna criticando o poder político, nunca interferiu em nossa amizade.

Quando retornei do exílio, em dezembro de 1976, e ainda não havia feito concurso para a Universidade do Amazonas, Haroldo me indicou para trabalhar numa agência de publicidade como redator, o que não funcionou por não estar eu vocacionado para tal tarefa. Mas ficou o gesto solidário do amigo querido.

Na quinta-feira (16), aos 73 anos, Haroldo nos disse adeus depois de passar uma temporada, enfermo, no Hospital da Fundação Centro de Controle de Oncologia do Estado do Amazonas (FCECON). Deixa esposa, dois filhos, muitas saudades, muito amigos e lembranças fortes sobre sua presença na imprensa amazonense. Não sei se deixou documentos, ignoro se existem arquivados os números da revista A Bola, que bem merecem os cuidados de conservação do Laboratório de Imprensa no Amazonas (LHIA) da Universidade Federal do Amazonas, aos cuidados dos historiadores Luís Balkar Pinheiro e Maria Luiza Ugarte Pinheiro.