Entenda o que se sabe até agora sobre novas mutações do coronavírus, inclusive a que assusta Manaus

Entenda o que se sabe até agora sobre novas mutações do coronavírus, inclusive a que assusta Manaus

Em cerca de um mês, emergiram mutações do coronavírus Sars-Cov-2 que preocupam pela possibilidade de aumentar a capacidade de transmissão da pandemia e afetar a eficácia das vacinas. Cientistas agora investigam sua disseminação e possíveis impactos. Nada há ainda de conclusivo, mas desde dezembro foram identificadas mais alterações potencialmente nocivas do que em todo o período anterior da pandemia.

O que são mutações?

São alterações no código genético do vírus. Uma mutação ocorre quando uma das bases da sequência de um determinado gene do vírus sofre um "erro" ao ser copiada, quando ele se multiplica dentro da célula invadida. Uma mutação nada mais é do que um trecho de uma sequência genética com uma base trocada.

Mutações são raras?

Não, ao contrário. Elas acontecem normalmente em qualquer vírus e não apenas no coronavírus Sars-CoV-2. Diferentemente dos mutantes da ficção científica, vírus mutantes são triviais.

Todas as mutações são nocivas?

Não. A maioria das mutações não tem qualquer impacto e algumas são até prejudiciais ao próprio vírus. Porém, por vezes, os vírus sofrem

mutações que favorecem sua sobrevivência e, por seleção natural, elas acabam por prevalecer.

Que mutações causam preocupação?

Justamente aquelas que oferecem alguma vantagem ao vírus. Essa vantagem pode ser:

As novas mutações poderiam provocar que tipo de impacto?

Não se sabe ainda. Estudos inconclusivos sugerem que poderiam aumentar a transmissibilidade e a capacidade de ataque (neutralização) dos anticorpos. Nenhuma dessas mutações foi associada ao aumento da agressividade, isto é, causar Covid-19 grave.

O Sars-CoV-2 já sofreu muitas mutações?

Menos do que ocorreria com outros tipos de vírus cujo código genético também é composto de RNA, mais instável do que o DNA e, por isso mesmo, mais sujeito a erros durante a replicação. Mutações são um subproduto da replicação do vírus. O Sars-CoV-2 tem uma enzima que o ajuda a corrigir certos erros, mas, mesmo assim, sofre constantes mutações.

Por que mais mutações têm sido descobertas agora?

A principal explicação é a alta circulação do coronavírus Sars-CoV-2 devido à falta de medidas de contenção, como distanciamento social, uso de máscara e falta de higiene. Quanto mais pessoas infectadas, mais vírus e maior a probabilidade de ele sofrer alterações.

Por que as mutações encontradas recentemente em Brasil, África do Sul e Reino Unido causaram tanta preocupação?

Porque elas afetam o chamadoRDB, o ponto em que o Sars-CoV-2 se liga às células humanas. O RDB é a região mais crítica da proteína mais importante do coronavírus, a espícula (de spike, em inglês) ou S, alvo da maioria das vacinas e dos anticorpos neutralizantes produzidos pelo sistema imunológico. Como é o ponto de ligação entre o vírus e as células, o RDB é atacado pelos anticorpos.

E o que fazem as mutações no RDB?

Elas conferem ao vírus o que os cientistas chamam de mecanismo de escape. Ou seja, as mudanças genéticas fazem com que os anticorpos percam a especificidade contra o RDB porque ele já não é mais o mesmo. Os anticorpos passam a ser como tiros a esmo, deixam de "neutralizar" o vírus. Com isso, o Sars-CoV-2 pode "escapar" e infectar uma pessoa com mais sucesso.

No Brasil, qual a mutação que mais preocupa neste momento?

É uma das mutações que já foi identificada na nova linhagem descrita no Rio de Janeiro e achada também em variantes em Manaus, como a identificada em japoneses que estiveram no Amazonas. Ela se chama E484 e está no centro das atenções de cientistas brasileiros porque altera o RDB, o ponto em que o Sars-CoV-2 se liga às células humanas

Embora ainda não se saiba o papel da mutação no quadro epidemiológico da capital do Amazonas, a cidade vive uma escalada dramática no número de casos, mortes e internações nas últimas semanas. O sistema hospitalar colapsou e pacientes ficaram sem oxigênio pela falta de cilindros no estado, levando o governador amazonense, Wilson Lima (PSC), a decretar um toque de recolher noturno.

Em entrevista ao GLOBO, Lima atribuiu a explosão de casos na cidade à nova mutação e sua "alta transmissibilidade". A baixa adesão ao distanciamento social, as aglomerações registradas na cidade no fim de 2020 mesmo após o fechamento do comércio, posteriormente revogado, e as festas de fim de ano podem ter contribuído para atual curva epidemiológica.

A mutação detectada em Manaus tem causado preocupação também no exterior. Um dia após o primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, manifestar preocupação com a variante brasileira, o secretário britânico de Transportes proibiu a entrada de viajantes com origem no Brasil e outros 15 países, além da Guiana Francesa, departamento ultramarino na França.

Essas mutações podem reduzir a eficácia das vacinas?

Não há qualquer prova disso até o momento. Em tese, uma mutação pode afetar a resposta tanto dos anticorpos produzidos por uma infecção natural quanto daqueles desenvolvidos em resposta a uma vacina. Porém, como o alvo das vacinas, a proteína S, é "grande", tem outras regiões alvo e as vacinas não perderiam sua eficácia.

Essas mutações foram importadas?

Não necessariamente. O mais provável é que a mesma mutação tenha emergido de forma independente em diferentes lugares. Trata-se de um fenômeno conhecido chamado convergência viral.

Mutação é a mesma coisa que variante?

Não. Mutações são mudanças pontuais no vírus. Variante é um vírus que tem uma ou mais mutações. Por exemplo, a mutação E484K está nas variantes do Rio de Janeiro e de Manaus.

E linhagem?

Embora sejam normalmente usadas como sinônimo de variante, cientificamente não são a mesma coisa. Uma linhagem em senso estrito é um vírus com características distintas, por exemplo, uma maior transmissibilidade.

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