Silvio Almeida: "Estamos falhando miseravelmente com nossas crianças"

Silvio Almeida:

Almeida participava de evento para lançar um guia para orientar o processo de escolha para conselheiros tutelares, mas desistiu do discurso escrito e falou de improviso sobre a urgência de uma mudança de comportamento de governos e sociedade para que não entreguemos a nossos filhos um mundo pior e sem esperança.

“Nós estamos matando a esperança das pessoas, estamos criando um mundo em que a esperança não é possível. Então, senhoras e senhores, conclamo a todos nós que tenhamos a capacidade de entender os nossos limites diante disso. E retomar o valor da política como algo que transforma o mundo. Precisamos ter a ousadia de fazer política”, discursou o ministro.

E seguiu: “Eu não me conformo com isso. Eu não quero viver num mundo assim. Eu me recuso a viver num mundo assim. Isso é inaceitável. Que nós possamos cultivar a indignação, porque não podemos aceitar que crianças e adolescentes sejam mortos nesse país. Não podemos aceitar que matem nosso futuro, não podemos aceitar que matem a nossa esperança”.

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Atentado em Blumenau

Um homem de 25 anos invadiu uma creche e matou quatro crianças na manhã desta quarta em Blumenau, no interior de Santa Catarina. O assassino atacou as vítimas com uma machadinha e acabou preso pela Polícia Militar do estado, que foi avisada por testemunhas que o viram pulando o muro do estabelecimento.

Veja e leia a íntegra do discurso do ministro dos Direitos Humanos e Cidadania, Silvio Almeida, nesta quarta-feira:

Eu tinha preparado algo para falar hoje, com muita alegria e satisfação, de mais um trabalho de retomada, de recomposição do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, só que eu não estou feliz. Hoje não é um dia de festa, hoje é um dia de tristeza. Não vou repetir palavras que se tornam até uma certa muleta retórica de administradores públicos. E falo isso com todo o respeito, porque sou um, que é falar de democracia, republicanismo, democracia representativa… isso no máximo é uma busca, é um caminho que temos que percorrer para fazer isso acontecer. Mas um país que, um mundo que mata crianças é tudo menos democracia, é tudo menos um mundo decente. Eu sinto ter que dizer isso hoje, mas estou fazendo porque é só assim que a gente vai entender o que temos que fazer pra mudar.

Nós estamos falhando miseravelmente com as crianças e com os adolescentes. Estamos falhando miseravelmente com as pessoas que mais precisam de nós nesse país. E nós temos que admitir isso para poder dar um passo para frente. (…) Estamos falando de crianças que foram assassinadas hoje, mas há outros jeitos de matar crianças. E nós temos cultivado isso e normalizado isso há muito tempo. Senhoras e senhores, temos permitido que crianças passem fome no Brasil, crianças morrem de fome. Temos permitido que crianças fiquem sem escola. Temos permitido que crianças vivam nas ruas, sem amparo, sem proteção. Nós precisamos fazer alguma coisa.

Eu acho muito interessante e quero agradecer todas as pessoas que se empenharam pra fazer essa cartilha. Queria dizer que, se não pegarmos essas cartilhas e sairmos às ruas pra explicar para pessoas o que significa de fato a participação social, se a gente não retomar o sentido de fazer política, se a gente não combater toda a gama de más intenções que rondam esses processos políticos, pessoas que em nome de interesses pessoais se apropriam da pauta da defesa das crianças e adolescentes, pessoas que usam os Conselhos Tutelares pra fazer proselitismo religioso… isso é inadmissível.

Então, eu conclamo as entidades empresariais que se importam com crianças e adolescentes, os movimentos sociais, os sindicatos… nós precisamos mostrar para elas qual é a importância da participação nos Conselhos Tutelares, para proteger as crianças. Senhoras e senhores, nós falhamos miseravelmente com Bernardo Cunha Machado, de 5 anos, com Bernardo da Cunha, de 4 anos, com Larissa Maiatodo, de 7 anos, com Enzo Barbosa, de 4 anos… São as crianças assassinadas hoje. Não está bom, a gente não está indo bem, a gente está falhando miseravelmente.

Então, a gente pode falar de democracia, de participação, mas na verdade o que estamos fazendo é criar uma sociedade em que pessoas acham absolutamente normal fazer culto a armamentos, em que empresas de rede social acham normal dizer que não têm nenhuma responsabilidade diante de conspirações que só são possíveis diante da omissão que elas alimentam, diante de uma economia da tensão, que vai gerando ódio. Nós estamos matando, inclusive, e eu falo isso porque vou ser pai, nós estamos construindo uma sociedade miserável, nós estamos correndo o risco de não fazer algo que os nossos ancestrais fizeram por nós, de entregar um mundo um pouco melhor. Isso é terrível.

Nós estamos matando a esperança das pessoas, estamos criando um mundo em que a esperança não é possível. Então, senhoras e senhores, conclamo a todos nós que tenhamos a capacidade de entender os nossos limites diante disso. E retomar o valor da política como algo que transforma o mundo. Precisamos ter a ousadia de fazer política. A cartilha é só o ponto de partida. E fazer política é abrir espaço para uma dimensão da esperança.

Nós precisamos ter ousadia messiânica, e não estou falando de religião, estou falando de construir um mundo novo. Nós não podemos achar que fazer reunião em lugar fechado, que fazer cartilha, que ficar conversando questões formais e burocráticas nós vamos mudar alguma coisa. Nós vamos esperar chegar nos números dos Estados Unidos, que é país que é modelo para muita gente aí? Vamos esperar chegar em 300 ataques por ano em escolas? Com essa gente cultuando armas? Com essa gente querendo dar golpe de Estado no Brasil? Querendo mais é que as pessoas morram de fome? Que crianças e adolescentes vão ter um futuro?

Eu não me conformo com isso. Eu não quero viver num mundo assim. Eu me recuso a viver num mundo assim. Isso é inaceitável. Senhoras e senhores, que nós possamos cultivar a indignação, porque não podemos aceitar que crianças e adolescentes sejam mortos nesse país. Não podemos aceitar que matem nosso futuro, não podemos aceitar que matem a nossa esperança.

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