"PEC da Transição não tem números, é uma hipótese", afirma economista

O detalhe, observa Veloso, é que essa comparação, até o momento, não passa de um exercício teórico. Ele alerta que o projeto oficial já enviado ao Congresso não especifica montantes. “Em nenhum lugar do texto da PEC da Transição é definida qualquer cifra”, destaca. Assim, conclui: “Até o momento, a medida não passa de uma hipótese”.

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De qualquer forma, chama a atenção a diferença entre a quantia sugerida pelo pesquisador do FGV-Ibre e a “hipótese” aventada pelo novo governo. Mesmo porque, Veloso diz que abrigou nesses R$ 80 bilhões algumas das “principais demandas por gastos sociais em discussão país”. Se é assim, como conseguiu tal façanha, com um número tão distante dos R$ 198 bilhões? Mágica? ""Não”, ele diz. “Fizemos contas”. Quais e com base em que critérios elas foram feitas é o que ele explica, a seguir, em entrevista ao Metrópoles.

Qual foi o ponto de partida da “PEC alternativa”?

Tínhamos dois objetivos. O principal era conciliar as necessidades sociais com a responsabilidade fiscal.

E o que é possível fazer com esses R$ 80 bilhões?

Nos incluímos o Auxílio Brasil, ou Bolsa Família, que passa de R$ 405 como previsto no Orçamento de 2023 para R$ 600 reais. Também recompomos despesas na área da saúde, educação, cultura, além de ciência e tecnologia, subestimadas na proposta orçamentária em discussão no Congresso (veja quadro abaixo dos valores e destinos dos gastos da “PEC alternativa”).

O que ficou de fora?

Não incluímos os gastos de R$ 160 por crianças até 6 anos, filhos dos beneficiários do Auxílio Brasil. Para isso, seriam necessários mais R$ 18 bilhões. Importante destacar que as despesas que especificamos não são fixas. Só tentamos indicar verbas para temas que estão no centro do debate das políticas sociais. Fizemos sugestões.

E por que R$ 80 bilhões?

Porque fizemos projeções e esse valor não coloca em risco a trajetória da dívida pública brasileira. Nossos cálculos mostram que, com gastos dessa ordem, a dívida vai crescer. Mas chega a 84,1% do PIB [a soma de riquezas do país], em 2028. Depois, passa para 83,8%, em 2029, e, a partir daí, começa a cair, atingindo 83,1%, em 2030.

Com o valor estipulado pelo governo eleito, como ficaria esse cenário?

O governo fala em gastos de R$ 175 bilhões, mais R$ 23 bilhões em investimentos. Nós levamos em conta só os R$ 175 bilhões. Se esse for o valor das despesas adicionais, a dívida explode, batendo 111,4% em 2030. É muita coisa. A relação dívida-PIB no Brasil está em 77%. E é alta. Em países emergentes comparáveis o Brasil, como Uruguai, Colômbia e México, ela gira em torno de 60% a 65% do PIB.

E ninguém mais fez essa conta?

Nós fizemos porque partimos do princípio que teríamos de conciliar o aumento de despesas com a responsabilidade fiscal. Mas o fato é que ninguém sabe o valor que o governo eleito estipula para esses gastos. Na PEC da Transição, não há nenhum número. Estamos falando só de uma hipótese.

Na proposta alternativa, os R$ 80 bilhões ficam dentro do teto de gastos de 2023. Na do novo governo, seja qual for o valor, ele ficaria fora. Qual a diferença entre ambas nesse aspecto?

Deixar dentro do teto é estabelecer um limite. O que propomos é que o teto seja ampliado nesse valor. E ponto. Depois disso, não se mexe mais ali. Só serão feitas as correções normais, previstas na lei, pela inflação do ano anterior. Definir uma barreira é importante para mostrar aos agentes econômicos que o crescimento da dívida é previsível. Caso contrário, não se sabe qual trajetória ela vai tomar.

Se isso ocorrer, quais as consequências?

Os agentes vão cobrar um valor muito mais alto para rolar a dívida do governo. Isso resulta em juros maiores, inflação elevada e, entre outros pontos, num câmbio depreciado. E tudo isso vai ter um forte impacto justamente nas famílias mais pobres, aquelas que, em tese, os gastos sociais querem proteger. Na prática, teremos uma crise.

Como a de 2015 e 2016?

Sim, parecida. Ali, um dos problemas também foi a trajetória da dívida. Por isso, foi criado o teto de gastos. Ele surgiu para dar previsibilidade e um limite a esse avanço. E note que, até hoje, o país não superou totalmente os efeitos daquela crise.

Não superou em que aspectos?

Desde aquela época, indicadores como o nível de informalidade da economia, assim como a pobreza e a desigualdade, nunca voltaram para os patamares pré-crise. O mesmo aconteceu com o desemprego que, agora, começou a cair. É nesse sentido que digo que não nos recuperamos totalmente da crise de 2015.

O que mais o preocupa na PEC da Transição?

Para valores tão altos, ainda que não estejam formalmente definidos no texto da proposta, é preciso dizer quais serão as fontes de receita. Até agora, tudo indica que esses recursos serão financiados por dívida. Como disse, é muita coisa. Uma tentativa desse tipo derrubou há pouco tempo a ex-primeira-ministra britânica Liz Truss, que não ficou mais de dois meses no cargo.

Qual foi o problema ali?

Ela propôs um pacote ambicioso, com forte redução de impostos, mas financiado por dívida. Ninguém aceitou. E isso no Reino Unido, com ótimo histórico de pagamento de débitos. Assim, se o governo eleito tem interesse em aprovar a PEC da Transição, é fundamental que aponte a origem do dinheiro que pretende gastar. Sem isso, não teremos a menor previsibilidade de como ficarão os gastos públicos. E essa, com disse, é a porta de entrada para uma crise.

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