Fundação Palmares: lideranças pedem mais atenção ao órgão no governo Lula

Fundação Palmares: lideranças pedem mais atenção ao órgão no governo Lula

A instituição leva o nome do Quilombo dos Palmares, na Serra da Barriga (AL), considerado o maior da América Latina e liderado por Zumbi dos Palmares — cujo falecimento, em 20 de novembro de 1659, dá origem ao Dia da Consciência Negra, celebrado neste domingo.

Criada em 1988 pela lei nº 7.668, a Fundação Palmares nasceu após diversas ações de lideranças negras do Brasil pela implementação de um órgão focado na cultura afro-brasileira.

Nos últimos anos, no entanto, a FCP tem sido enfraquecida. Em 2016, o ex-presidente Michel Temer (MDB) extinguiu o Ministério da Cultura — órgão ao qual a fundação era vinculada — e o transformou em secretaria. O ministério chegou a ser recriado por Temer, mas foi novamente extinto pela gestão de Jair Bolsonaro (PL).

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Depois, sob o comando do jornalista Sérgio Camargo entre 2019 e 2022, a Fundação Palmares foi alvo de uma série de polêmicas e contradições. Crítico ao movimento negro, Camargo é conhecido por fazer declarações racistas e relativizar a importância do movimento e de lideranças afro-brasileiras.

Além disso, o ex-presidente da fundação (que saiu do cargo para concorrer nas eleições deste ano) foi punido por prática de assédio moral e perseguição a funcionários.

Agora, a expectativa é de que a fundação e as pautas raciais tenham destaque no novo governo. A espera por melhorias também foi impulsionada pela promessa do Ministério da Igualdade Racial na gestão de Lula (PT). A futura primeira-dama, Rosângela Lula da Silva, a Janja, também declarou que vai atuar para combater o racismo.

“A criação da FCP não foi fácil. A aprovação, a montagem… Mas aconteceu e a instituição está aí. O grande desafio é remontá-la. A expectativa é de esperança. As pautas da comunidade negra nunca são prioritárias. Então, que seja uma das prioridades da administração que se iniciará em 1º de janeiro”, pontua Carlos Moura, primeiro presidente e fundador da Fundação Cultural Palmares, em entrevista ao Metrópoles.

Perdas significativas

A chegada de Camargo à presidência da FCP foi marcada por perdas das conquistas da organização ao longo dos anos. Em 2020, ele extinguiu uma série de comissões ligadas à fundação, como os comitês de gestão do Parque Memorial Quilombo dos Palmares, de dados abertos e de segurança da informação.

Em maio de 2020, sob o comando de Camargo, a FCP excluiu quase 30 nomes da lista de personalidades homenageadas. Pessoas importantes para a cultura afro-brasileira tiveram suas menções apagadas, como a escritora Conceição Evaristo, e os músicos Elza Soares e Gilberto Gil.

Imagem colorida mostra manifestação contra Racismo na Fundação Palmares / MetrópolesImagem colorida mostra manifestação contra Racismo na Fundação Palmares / Metrópoles

Manifestação contra o Racismo. Representantes de religiões de matriz africana manifestam contra o presidente da Fundação Cultural Palmares, Sérgio Camargo. Rafaela Felicciano/Metrópoles

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Manifestação contra Racismo na Fundação PalmaresRafaela Felicciano/Metrópoles

Publicidade do parceiro Metrópoles 1Imagem colorida mostra manifestação contra Racismo na Fundação Palmares / MetrópolesManifestação contra o Racismo. Representantes de religiões de matriz africana manifestam contra o presidente da Fundação Cultural Palmares, Sérgio Camargo.

Manifestação contra o Racismo. Representantes de religiões de matriz africana manifestam contra o presidente da Fundação Cultural Palmares, Sérgio Camargo. Rafaela Felicciano/Metrópoles

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No ano seguinte, aproximadamente 300 obras foram retiradas do acervo de livros divulgados pela Fundação Palmares. Segundo Camargo, as obras não dialogavam com a missão do órgão.

Além disso, o número de certificações dadas a comunidades quilombolas pela FCP teve queda de 75,2% durante a gestão de Bolsonaro, como mostra levantamento feito pelo Metrópoles neste ano. Foi o menor nível da série histórica, iniciada em 2004.

“A FCP perdeu administrativamente aquilo que se relaciona a funcionários, a orçamento, a sede, ao acervo. Nesses quatro anos a Palmares deixou de ser uma interlocutora da sociedade junto ao movimento negro, a inserção da Palmares na sociedade e na adminsitração ficou paralisada. Mas não conseguiram nos paralisar. Nós, movimentos negros e sociedade civil continuamos trabalhando, reagindo, denunciando, fazendo propostas e assim prosseguiremos”, conclui Moura.

Debate racial sob os holofotes

Na avaliação do ator José Hilton Santos Almeida, conhecido como Hilton Cobra, a questão racial não deve ser concentrada apenas na Fundação Cultural Palmares ou no Ministério da Igualdade Racial — caso a pasta de fato seja criada —, mas em todos os setores do governo.

“Espero que realmente se dê a importância capital que é a FCP, a memória da cultura de 120 milhões de pretos e pretas neste país. Para mim, a Palmares foi criada em 1988 mas nunca teve atenção de todo e qualquer governo, seja de esquerda, centro ou direita”, pontua.

Cobra foi presidente da FCP entre 2013 e 2015. Durante sua gestão, a fundação teve aumento de 23% no número de certificações de comunidades quilombolas em comparação com os anos anteriores.

O gestor alerta para a importância de fortalecer o quadro de funcionários da instituição para que o número de certificações volte a crescer. Ele também alerta para o papel do Instituito Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) na titulação de territórios quilombolas.

Reportagem do Metrópoles aponta que, durante a gestão Bolsonaro, o Incra expediu apenas 10 títulos de territtórois para seis comunidades quilombolas. Entre 2020 e junho de 2022, nenhum título foi expedido.

“A Palmares, com uma mudança de estrutura, ampliação no quadro de funcionários e servidores e ampliação de recursos tem que colocar essas certificações [em foco]. Temos um trabalho muito grande, importante e bonito a fazer. Tratar a cultura preta como cultura de estado, inclusiva, verdadeiramente democrática”, afirma Cobra.

Transição

Na útilma semana, o vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin (PSB), que coordena o governo de transição, definiu oito nomes para o grupo técnico de Igualdade Racial, que discutirá prioridades sobre o tema para a gestão de Lula.

A equipe é formada por Douglas Belchior, Givânia Maria da Silva, Ieda Leal de Souza, Janice Ferreira da Silva (Preta Ferreira), Martvs das Chagas, Nilma Lino Gomes, Thiago Tobias e Yuri Santos Jesus da Silva.

Ao Metrópoles, a professora Givânia Maria da Silva, que integra o grupo e é uma das fundadoras da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), afirmou que a equipe tem atuado desde a semana passada.

A primeira tarefa foi sugerir que as demais equipes técnicas também tenham pessoas negras em sua composição, e não apenas o grupo de Igualdade Racial. Segundo Givânia, o próximo passo é criar subgrupos de trabalho.

A proposta da equipe é de articular o diálogo entre o futuro Ministério da Igualdade Racial e as demais pastas, para garantir que as políticas públicas para pessoas negras funcionem em todas as áreas.

“A Fundação Cultura Palmares está no meio dessa política, mas a expectativa é de que possamos estabelecer o diálogo com a Cultura, Educação, com o Incra, o Meio Ambiente, a Saúde, a secretaria das Mulheres… O Ministério da Igualdade Racial terá muito mais a função de coordenar do que de executar”, ressalta.

Para a especialista, as políticas de igualdade racial sofreram desmonte em todas as áreas nos últimos anos. “Nosso trabalho é coordenar para que o presidente eleito possa executar as políticas”, conclui.

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