De Amazônia a democracia: desafios e trunfos de Lula na política externa

De Amazônia a democracia: desafios e trunfos de Lula na política externa

Ao longo da campanha, Lula afirmou que pretende recolocar o Brasil no “centro da geopolítica mundial”. Nos dois primeiros mandatos do petista (2003-2010), o país passou a ser considerado uma nação estratégica. No entanto, o contexto de 2023 é bastante distinto do encontrado pelo mandatário 12 anos atrás, o que tornará a tarefa um tanto mais difícil.

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Poucas horas após a vitória de Lula nas eleições brasileiras, líderes mundiais se adiantaram em saudar o presidente eleito. A rapidez dos pronunciamentos, apesar do fuso horário, sinaliza a preocupação das demais nações com ameaças de ruptura democrática em território brasileiro, e a reação diante da alternância de poder, após um governo turbulento em termos de diplomacia.

As felicitações ecoaram falas protocolares — abrindo caminhos para colaborações com a maior economia da América Latina. Contudo, assuntos em comum nas posições de lideranças sinalizam trunfos e temas que terão relevância nos próximos quatro anos: a questão climática, direitos humanos (e democracia), e cooperação na América do Sul.

Nos próximos meses, Lula adiantou que pretende fazer um tour global. Entre os primeiros compromissos confirmados estão, além da viagem para o Egito, rumo à COP27, uma visita à Portugal, nos dias 18 e 19 de novembro. O mandatário deve se reunir com o presidente do país, Marcelo Rebelo de Sousa, e com o primeiro-ministro António Costa, que declarou apoio ao petista nas eleições.

O presidente Jair Bolsonaro nunca esteve em Portugal em visita oficial, ao contrário do chefe de Estado português, que veio ao Brasil participar das comemorações do bicentenário da Independência, no último 7 de Setembro. A viagem de Lula, antes mesmo da posse, sinaliza a manutenção da relação institucional entre os países.

Contexto global

No discurso logo após a vitória no segundo turno, Lula sinalizou que deseja reposicionar o Brasil no mapa das potências estratégicas, ao “retomar parcerias com Estados Unidos e União Europeia em novas bases”, e ultrapassar os limites de “acordos comerciais que condenem o país ao eterno papel de exportador de commodities e matéria prima”.

“Vamos reconquistar a credibilidade, a previsibilidade e a estabilidade do país, para que os investidores – nacionais e estrangeiros – retomem a confiança no Brasil. Para que deixem de enxergar nosso país como fonte de lucro imediato e predatório, e passem a ser nossos parceiros na retomada do crescimento econômico com inclusão social e sustentabilidade ambiental”, defendeu.

Transformar o discurso em ações práticas, porém, será mais desafiador do que na primeira vez em que Lula assumiu o governo. O cenário de 12 anos atrás, onde os países emergentes: Brasil, Índia, China e Rússia despontavam com protagonismo, foi substituído pela competição entre duas superpotências: EUA e China. A Rússia foi reposicionada como principal adversária das nações europeias em razão do conflito no Leste Europeu.

Instabilidade

O boom de commodities acabou e a guerra na Ucrânia tem impacto negativo sobre a economia dos países europeus, o que traz instabilidade econômica para as maiores economias do mundo, inclusive respinga no Brasil. É o que aponta Amâncio Jorge de Oliveira, vice-diretor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (USP).

“Ele vai se deparar com uma situação muito grave do ponto de vista internacional — com alta da inflação, turbulência energética por causa do conflito entre a Rússia e a Ucrânia, e um potencial quadro de recessão mundial”, explica.

O tema também requer atenção, em um contexto diplomático definido pelo internacionalista como “ambivalente”. Oliveira justifica que “há uma certa dose de isolamento, em especial pela questão do meio ambiente, que contrasta com uma visão positiva, com uma economia que está funcionando bem pós-pandemia e em meio à guerra da Rússia”.

Apesar dos avanços em relação à entrada no grupo da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), conquistada durante a atual gestão, o próximo governo precisará reconstruir pontes, deixadas de lado em função de alianças mais conservadoras.

Na lista de “apertos diplomáticos” criados nos últimos quatro anos, constam a saia-justa na relação bilateral com Joe Biden, após a demora de 38 dias para reconhecer o governo dele, e a sugestão de fraude na eleição americana; os ataques pessoais ao presidente da França e a esposa dele, após discordâncias sobre a Floresta Amazônica; e o desconforto com a Alemanha em relação ao Fundo Amazônia.

Bolsonaro também instaurou um ambiente de tensão ao rivalizar com presidentes da Venezuela, Chile e Argentina. Deste lado do Atlântico, o Brasil negligenciou o protagonismo na América do Sul, situação que deve mudar sob a gestão do presidente eleito. Inclusive, com o retorno da ideia dos arranjos regionais, deixados de lado.

A expectativa no cenário internacional é que a maior economia da América Latina retome sua posição de protagonista e participe das grandes decisões internacionais, com o fortalecimento das relações multilaterais entre todas as nações da região em termos de diplomacia.

Agenda climática

Durante a COP26, em Glasgow, no Reino Unido, o governo do presidente Jair Bolsonaro (PL), que se encerra no dia 31 de dezembro de 2022, fechou acordos importantes para proteção do meio ambiente, como a neutralização de dióxido de carbono até 2028, redução das emissões de metano em até 30% e o compromisso para reverter a perda florestal e a degradação do solo até 2030.

Entretanto, a gestão atual não executou ações concretas para cumprir os acordos e chega ao Egito sem apresentar bons resultados sobre a preservação do meio ambiente. Levantamento do Observatório do Clima, divulgado em outubro, aponta que 81% das liberações do gás acontecem em decorrência de incêndios florestais em áreas desmatadas no Brasil.

No topo da lista de prioridades de países europeus, a questão ambiental se mostrou como um dos principais entraves na política externa bolsonarista. Em praticamente todos os discursos dos líderes dos EUA e da Europa, a priorização do assunto, sinalizada por Lula durante a campanha, foi celebrada.

A proposta também extrapolou os limites do discurso, quando a comunidade europeia agiu nos primeiros dias após o resultado nas urnas: a Alemanha e a Noruega anunciaram o retorno de investimentos no Fundo da Amazônia. Segundo o cientista político Márcio Coimbra, da Fundação da Liberdade Econômica, a questão deve ser o principal trunfo do governo petista em relação ao antecessor.

“Mais do que uma questão climática, pauta ambiental é a senha para o governo Lula poder colocar o Brasil como protagonista do cenário internacional, uma vez que é um assunto natural do Brasil, mas que foi renegado nos últimos anos.”

O especialista adiciona que, caso o próximo governo saiba usar esse trunfo de forma inteligente, “o país pode conseguir ótimos resultados na esfera tanto política quanto econômica internacional”.

Cooperação EUA e China

Em termos econômicos, a relação comercial entre o Brasil e os Estados Unidos (EUA) cresceu durante o governo Bolsonaro e, atualmente, ela é maior que em 2018, segundo dados do Monitor do Comércio Brasil-EUA.

Contudo, mesmo com laços mais estreitos economicamente, diante de um contexto de competição de superpotências, a expectativa é que o alinhamento, que atualmente tende ao lado norte-americano, caminhe para uma equidistância pragmática rumo ao equilíbrio, em meio à polarização do país norte-americano com a China.

“Espera-se que a posição de Lula em relação a Estados Unido e China seja pragmática, ou seja, deve se estabelecer uma relação responsável e de contato comercial sem alinhamento político automático com nenhum dos dois. O Brasil tem interesses comerciais com EUA e com a China, que não são conflitantes, portanto, se navegar de forma responsável pela relação com os dois, poderá trazer muitos benefícios para a economia brasileira”, afirma Coimbra.

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