Eleições 2022: carta de Lula frustra mercado por falta de clareza

Eleições 2022: carta de Lula frustra mercado por falta de clareza

Recebida com algum ânimo na “Faria Lima”, o coração do mercado financeiro brasileiro, as casas de investimento logo mudaram de humor. A explicação é que o documento não esclarece quais são as metas fiscais anuais do possível novo governo de Lula.

Veja o documento completo:

Carta para o Brasil do amanhã by Manoela Alcântara on Scribd

“Como via de regra, o mercado prefere uma certeza ruim se comparado a uma incerteza. E segundo, a carta do ex-presidente Lula, a impressão que passa para a Faria Lima, de forma geral, é a certeza de uma incerteza”, disse Thiago Calestine, economista e sócio da Dom Investimentos.

Calestine enumerou dois pontos principais da “incerteza” que há na carta de Lula: “Além de não sabermos quem seriam os ministros indicados pelo presidente, também não sabemos do ponto de vista prático de como ele e sua equipe equilibrarem as contas públicas ao passo que estenderam as ajudas e pacotes de auxílio às populações de baixa renda e mais fragilizadas”.

“Ontem [quinta, 27/10], nós tivemos um primeiro movimento bem rápido de aceno positivo do mercado à carta após a publicação, bolsa para cima e dólar para baixo. Depois que a carta foi lida, o dólar devolveu a queda e o índice devolveu a alta, justamente pela dúvida que pairou no ar”, completou.

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Lula e o teto de gastos

O mercado também tem dúvidas sobre qual será a âncora fiscal adotada pelo potencial novo governo, já que o teto foi reiteradas vezes atacado por Lula. Além disso, como noticiado pelo Metrópoles, o PT deverá propor uma proposta de emenda à Constituição (PEC) para reformar o teto de gastos.

“A Faria Lima recebeu muito bem, a princípio [a carta]. Porém, ao ver o conteúdo, o otimismo desapareceu. O que se avaliou negativamente foram as ideias de subsídios, ou seja, os gastos sociais deverão ser elevados. A questão que ficou foi qual será a âncora fiscal do país [em um governo de Lula]? Qual será a ferramenta para o Brasil ter credibilidade fiscal?”, questionou Bruno Komura, analista da Ouro Preto Investimentos.

O documento pode ter sido um “banho de água fria” quanto às reformas que o mercado almeja ao país. “No contexto atual de crise, a gestão econômica, ao que tudo indica, seguirá uma incógnita até o "day after" das urnas”, explicou Danilo Morais, professor de ciência política da pós-graduação do Ibmec-DF.

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Em vigor desde 2017, a PEC do Teto de Gastos tem o objetivo de limitar os gastos do governo por ano. Isso significa que o crescimento dos gastos públicos seria totalmente controlado por leiIgo Estrela/Metrópoles

Moedas em cima de um papel - Metrópoles******Foto-moedas-em-cima-de-um-papel

Trata-se, na verdade, de um compromisso do Estado com as contas públicas a longo prazo, para que, dessa forma, os gastos governamentais sejam controlados, e a dívida consiga estabilidadePixabay

Publicidade do parceiro Metrópoles 1Plenário do Congresso Nacional - Metrópoles******Foto-plenario-congresso-nacional

Além disso, o mecanismo incentiva a realização de reformas estruturais, uma vez que exige de governantes a determinação de prioridades, impedindo, desse modo, que as despesas cresçam de maneira insustentávelMichel Jesus/Câmara dos Deputados

Parte externa do Congresso Nacional- Metrópoles*****Foto-congresso-nacional

Também chamada de novo regime fiscal, a regra diz respeito às despesas da União, com algumas exceções, tais como: créditos extraordinários, despesas da Justiça Eleitoral com as eleições, transferências constitucionais aos estados, municípios e ao DF, despesas de capitalização de estatais não dependentes e complementações ao FundebImagens cedidas ao Metrópoles

Publicidade do parceiro Metrópoles 2Parte externa do Ministério da Economia- Metrópoles*****Foto-ministerio-da-economia

O teto de gastos, portanto, mantém as contas públicas sob controle e permite que a taxa básica de juros da economia seja mais baixa. Dessa forma, o governo alega que com juros menores é concebível a geração de empregos e, como consequência, crescimentoMyke Sena/Especial Metrópoles

Parte externa do Ministério da Economia- Metrópoles*****Foto-ministerio-da-economia-parte-externa

Além disso, o mecanismo impede que o governo federal crie um Orçamento para a União maior do que o do ano anterior. Alguns gastos, contudo, podem até crescer, desde que outras áreas sofram cortes, o que acendeu alerta da oposiçãoThiago S. Araújo/Especial para o Metrópoles

Publicidade do parceiro Metrópoles 3Ex-ministro da Fazenda Henrique Meireles- Metrópoles*****Foto-ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles

À época em que a proposta foi aprovada, o então ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, negou que a regra do teto retiraria direitos da populaçãoVinícius Schmidt/Metrópoles

Pessoa puxando maca hospitalar- Metrópoles*****Foto-hospital-publico

Contudo, o fato de despesas de educação e saúde estarem englobadas na PEC gerou grande polêmica. Especialistas que se opuseram ao teto afirmam que a diminuição dos gastos afeta, principalmente, as camadas mais baixas da população, o que tende a aumentar a desigualdade social no paísDivulgação SES-AM

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Desde que entraram em vigor, as regras do teto sofreram algumas modificações. Em 2019, por exemplo, o repasse da “cessão onerosa” dos recursos obtidos por meio do pré-sal e do petróleo para estados e municípios só foi possível após modificação no novo regime fiscalMario Tama/Getty Images

Celular com aplicativo do auxilio emergencial- Metrópoles*****Foto-celular-com-aplicativo-do-auxilio-emergencial

Em 2020, durante o início da pandemia da Covid-19, o governo possibilitou, por meio de uma PEC emergencial, realizar o pagamento do auxílio emergencial. Essa foi a segunda modificação sofridaMarcello Casal jr/Agência Brasil

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O teto de gastos tem vigência até 2036, ou seja, durará por 20 anos. Contudo, a partir do décimo ano, o presidente em vigor poderá modificar o formato de correção das despesas públicasVinicius Santa Rosa/Metrópoles

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A carta

O documento divulgado por Lula conta com propostas de governo e detalha os planos após críticas de que o plano apresentado no início das eleições seria genérico. “Esta não é uma eleição qualquer. O que está em jogo é a escolha entre dois projetos completamente diferentes para o Brasil”, começa a carta.

O documento descreve o atual governo com termos como “país do ódio”, “do racismo”, “da homofobia” e “do apreço à ditadura e aos torturadores”. Enquanto isso, o Brasil de Lula é descrito como “país da esperança”, “dos salários decentes”, “da comida no prato” e “do compromisso inabalável com a democracia”.

O documento ainda cita medidas para desenvolvimento econômico, social, sustentável, educação, saúde, habitação e infraestrutura, segurança, cultura e esportes, direitos humanos, reindustrialização, agricultura, política externa, democracia e liberdade.

O documento”pincela” como será a condução do Ministério da Fazenda, caso o petista vença o segundo turno em 30 de outubro. Em aceno ao mercado e a fim de apaziguar as desconfianças sobre sua candidatura sobre uma eventual política fiscal “irresponsável”, a carta fala em “regras claras e realistas” e em compromissos “plurianuais, compatíveis com o enfrentamento da emergência social que vivemos e com a necessidade de reativar o investimento público e privado para arrancar o país da estagnação”.

O plano cita a combinação de responsabilidade fiscal e social com desenvolvimento sustentável, seguindo as “tendências das principais economias do mundo”. O trecho faz referência à agenda ESG (sustentabilidade, social e governança, na sigla em inglês), que os países desenvolvidos vem adotando a fim de melhorar o bem-estar de cada economia de mercado.

A agenda petista com viés desenvolvimentista é pautada no resgate de obras estruturantes que deverão ser decididas junto aos governadores estaduais. A retomada na construção civil, ou seja, na infraestrutura, é uma forma de acelerar a geração de empregos, setor que emprega mais rápido, mas também um aceno às empreiteiras.