Mãe sobre filho sumido há 200 dias: "Como se um buraco tivesse o engolido"

Mãe sobre filho sumido há 200 dias:

A mãe iniciou uma peregrinação em busca do adolescente: procurou a polícia, o Ministério Público, distribuiu fotos de Kauã, organizou buscas por conta própria em diversos pontos do estado de Goiás, sem ter qualquer notícia. "É como se meu filho nunca tivesse existido, como se tivesse sido engolido por um buraco no chão. Eu sinto que a gente é invisível".

A trajetória de Ana em busca por suporte do Estado, porém, começou muito antes do desaparecimento do adolescente e é um retrato de como pode ser a vida de uma mãe solo, pobre, parda e com baixa escolaridade, no Brasil.

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Há cerca de 1 ano e meio, ela notou alterações de comportamento no filho. Observou que o rapaz estava envolvido com drogas e pediu ajuda ao Conselho Tutelar de Silvânia, que a encaminhou para a Promotoria da Infância e Juventude de Goiás, para aconselhamento. "A promotora disse que era normal jovem querer usar droga e que não podia internar o Kauã, que ele não era um viciado", relata Ana.

Não houve qualquer acompanhamento, segundo a mãe. Até que, em outubro de 2019, após uso de drogas, Kauã se envolveu em um assalto nas proximidades de Silvânia. "Ele chegou em casa acompanhado de um amigo da igreja, tinha um cheiro muito forte de droga. Me pediu para ir até a delegacia com ele, porque queria se entregar. Chegando lá disseram para ele ir pra casa e esperar a intimação chegar, que não podiam fazer nada", lembra Ana.

Ana Silva procura o filho
Além de Kauã, Ana da Silva tem outros três filhos – de 18, 14 e 11 anos -, que criou sem qualquer apoio dos pais dos meninos

Kauã temia que os companheiros de crime fizessem mal a ele e à sua família, achou que estaria mais seguro sob tutela do Estado e quis se entregar. Aquela noite na porta da delegacia foi a última vez que Ana viu Kauã. Ele vestia calça preta de moletom e uma blusa verde com mangas marrons.

"O Kauã saiu correndo pro meio do mato desnorteado e nunca mais apareceu". Desde então, Ana espalhou fotos, foi à delegacia dezenas de vezes, fez buscas pelo filho por conta própria em vários pontos de Goiás, mas nunca soube notícias do filho.

Ana tem outros três filhos – de 18, 14 e 11 anos -, que criou sem qualquer apoio dos pais dos meninos. Foi mãe pela primeira vez aos 15 anos, quando era lavradora no Tocantins, e teve de abandonar a escola no oitavo ano. "Tinha que atravessar de um povoado para o outro à noite, tudo escuro, eu tinha muito medo e desisti", lembra.

Naquela época, o sonho de Ana era fazer direito e tornar-se juíza. Ao invés da toga, Ana vestiu um avental e ganhou seu sustento como empregada doméstica, desde a adolescência. "Hoje eu queria mesmo era ser uma jornalista, ir para a televisão e falar de tudo que eu tenho sofrido atrás do meu filho, ou uma detetive para achar as respostas que eu tô procurando".

Atualmente, Ana divide uma casa pequena em Silvânia com outras 8 pessoas – os 4 filhos, o companheiro, o pai de 96 anos que sofreu um AVC, a mãe de 70 anos, e um irmão com deficiência. É ela a responsável pelo cuidado de todos. "É uma carga tão grande que com esse sumiço do Kauã tem hora que eu acho que não vou aguentar. Em todo lado que procuro, não encontro força", afirma.

Nas palavras da mãe, Kauã é "hiperativo e muito inteligente". "Ele já reprovou de ano duas vezes, mas não é por falta de inteligência, é que traquinagem mesmo". O adolescente sonha em concluir os estudos e entrar para a Marinha. "Uma vez ele visitou a casa de uma professora, é uma casa bem bonita e grande aqui em Silvânia, e disse para ela que queria ser da Marinha para me dar uma casa que nem a dela", lembra.

A cama de Kauã continua vazia, a caixinha de som está sobre a cômoda, as roupas intocadas à espera de seu retorno. Nas noites insones, Ana olha para o que restou do filho. Ana carrega sempre com ela a certidão de nascimento do menino. "Nós existimos, eu posso provar".

Ela completou 35 anos no último sábado. Não houve comemoração pois, desde o sumiço de Kauã, Ana não sente mais prazer em acender o fogão à lenha para fazer molho de salsicha e frango recheado, os pratos favoritos do filho.

"Era ele quem me ajudava a catar a lenha, sempre foi um menino trabalhador, disposto, nunca tinha dado trabalho, era um doce antes disso tudo". Ana começa a falar do filho com verbos no passado.

Procura-se

Por meio da assessoria de imprensa, o Ministério Público de Goiás informou que, diante da não localização de Kauã Vitor, a ocorrência foi inserida no Sistema Nacional de Localização de Desaparecidos (Sinalid). "Foi realizada análise da sindicância através de buscas em portais e ligações telefônicas, no entanto, nenhuma nova informação sobre o paradeiro do adolescente foi encontrada."

O MPGO mantém o Programa de Localização e Identificação de Desaparecidos em Goiás (Plid). "Realizamos buscas nos sistemas disponíveis para identificar uma possível abordagem em outra cidade ou, ainda, se o desaparecido foi vítima de um acidente ou qualquer outra informação relevante que estejam disponíveis", acrescenta a assessoria. Faz parte, ainda, do fluxo de trabalho do MPGO o contato com os familiares para verificar o andamento das ocorrências e ouvi-los sobre alguma nova informação.

O Plid apoia promotorias no sentido de localizar pessoas, incluir registros de ocorrências no sistema nacional e encontrar familiares de corpos identificados, mas não reclamados. O programa foi estruturado em 2018, em uma parceria do MP-GO com a Secretaria de Segurança Pública do Estado (SSP-GO) e o Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO).

A Polícia Civil de Goiás informa que foi instaurado inquérito policial pela Delegacia de Silvânia para investigar o desaparecimento de Kauã Vitor da Silva Alves. "Recebemos algumas denúncias sobre o paradeiro dele, mas não deram em nada. Também pedi a quebra de alguns sigilos telefônicos para tentar encontrar pistas. Nós entendemos o sentimento de agonia da mãe e estamos buscando um caminho", diz o delegado titular de Silvânia, Leonardo Sanches. O delegado também afirmou ter espalhado cartazes com a foto do adolescente pela cidade.

Casos como o de Kauã são frequentes no Brasil. Em 2018, período mais recente sobre o qual há dados oficiais, foram registrados mais de 80 mil desaparecimentos no país, segundo o Comitê Internacional da Cruz Vermelha, que monitora os casos e apoia famílias.

Quem tiver notícias do paradeiro do adolescente pode entrar em contato com a Polícia Civil pelo telefone 197 ou na DP de Silvânia: (62) 3332-1333.