CPI da COVID complica o governo Bolsonaro e pode impactar eleição de 2022

CPI da COVID complica o governo Bolsonaro e pode impactar eleição de 2022

O governo federal acaba de enfrentar duas semanas tensas, e não é nem metade do tempo inicial previsto para a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da COVID no Senado. Nesse período, a base aliada e o próprio presidente Jair Bolsonaro tentaram criar maneiras de desviar a atenção da CPI.

O Voto impresso, ameaça de convocar as Forças Armadas e ataques ao relator Renan Calheiros (MDB-AL) foram algumas estratégias adotadas pelo Planalto e aliados no Congresso. Na comissão, quatro senadores buscaram defender o governo ao longo dos seis depoimentos ouvidos. Até o filho 01, Flávio Bolsonaro, entrou na trincheira. Foi à CPI para socorrer o ex-secretário de Comunicação Fábio Wajngarten e chamar Renan Calheiros de "vagabundo".

No Palácio do Planalto, a preocupação é grande com a CPI. Assessores lembram que os 23 pontos levantados pela Casa Civil são perigosos ao governo, que não consegue gerar fatos positivos para rebater a CPI, com a vacinação a passos lentos e mais de 2 mil óbitos diários.

Vice-líder do governo no Senado, Eduardo Gomes (MDB-TO) afirma que existe desgaste para todo mundo devido à quantidade de tempo que se dedica à CPI, mas afirma que o governo tem respondido a todos os questionamentos. "Boa parte do que foi discutido na CPI a imprensa já tinha levantado. O Brasil vem melhorando o combate à COVID. O barulho é por conta da questão política", avalia.

Apesar dos esforços para conter os avanços da CPI, o cenário permanece desfavorável ao governo. Segundo cientistas políticos, é claro o desgaste de Bolsonaro. Soma-se aos reveses na CPI a queda de aprovação do presidente, conforme pesquisas de opinião realizadas na última semana.

Instituto Datafolha revelou a derrota de Bolsonaro para o ex-presidente Lula em cenário eleitoral de 2022. Segundo cientistas políticos, o presidente pode "sangrar" com a CPI até o fim do ano, caso ela seja renovada por mais 90 dias, o que aumenta o desgaste político até o início da campanha eleitoral. Para eles, o risco de não chegar ao segundo turno já é concreto para Bolsonaro.

Até no ambiente virtual, onde bolsonaristas atuam com grande articulação, o resultado não é positivo. Informações da agência de análise de dados e mídias MAP mostram que de 27 de abril a 3 de maio, antes do início da CPI, o apoio manifestado ao presidente nas redes sociais estava em 43,2%

Na semana seguinte, de 4 a 10 de maio, foi para 27,7%. Já de 11 a 14 de maio (até as 8h), derreteu para 4,9%, em meio aos depoimentos do presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Barra Torres, do ex-secretário de Comunicação da presidência Fabio Wajngarten e do presidente da Pfizer na América Latina, Carlos Murillo.

A queda no apoio, segundo a agência, "é ancorada por uma agenda negativa que os perfis de direita, entre manifestantes, políticos e influenciadores, não conseguiram reverter".

"Apesar da mobilização contrária da direita, que soma quase 41% do debate numa tentativa de blindar o presidente, o apoio à CPI é de 69%, o que demonstra que o público geral está favorável às investigações", afirma a diretora-geral da MAP, Marilia Stabile. Até o momento, em maio, a CPI é o segundo tema, com 11,6% de participação, pouco atrás do Paulo Gustavo, que lidera com 11,9%.

Analista político da Consultoria Dharma, Creomar de Souza afirma que o desgaste ainda não se dá de forma irreversível, mas gera desarticulação. Ele pontua que é cedo para prever o impacto eleitoral, mas o presidente precisará "mudar o personagem" até 2022.

A questão é saber se conseguirá e se essa mudança implacará perda de apoio dos bolsonaristas convictos. Para o analista, a principal consequência política da CPI é provocar "sangria" no governo até as eleições. "Se a CPI for prolongada até o fim do ano, isso gera impacto eleitoral maior. O presidente corre o risco de não ir para o segundo turno", afirma Creomar.

Cientista político e professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) de São Paulo, Marco Antônio Carvalho Teixeira ressalta que a comissão gera desgaste natural. Somado a isso, entretanto, ele acredita que o governo produz fatos políticos ruins, como o pedido de habeas corpus para que o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello fique calado. "O governo assume um pouco de culpa e aumenta a tensão", diz.

Analista político do portal Inteligência Política, Melillo Dinis afirma que o governo está "desesperado, desanimado e desconfiado da CPI". "Não há nenhum tipo de perspectiva positiva e essa é a apenas a segunda semana", diz, lembrando que a expectativa é de mais desgaste nos próximos dias, apesar do salvo-conduto concedido pelo Supremo Tribunal Federal a Pazuello.

"OMISSÃO"

Sócio da Hold Assessoria Legislativa, o cientista político André César avalia que os depoimentos trouxeram de forma mais clara "a questão de omissão, que é muito grave". "E toda justificativa do governo tem pé de barro, cai", afirma.

Ele aponta que o desgaste é grande, porque em paralelo o governo sofre outros ataques: a pesquisa que mostra Lula vencendo Bolsonaro no segundo turno, o escândalo do "tratoraço" (orçamento paralelo de Bolsonaro) e uma economia que não se recupera. E, hoje, o cenário que se desenha, conforme pontua, é de Bolsonaro correndo o risco de não conseguir chegar ao segundo turno em 2022.

Nesta conjuntura, avaliam os especialistas, aumenta o preço do Centrão para permanecer no governo. André César ressalta que isso tem ficado claro com os movimentos do presidente do PSD, Gilberto Kassab, que se reuniu com Lula e está tentando levar para a legenda o ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia, grande opositor de Bolsonaro, e já levou o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes.

Kassab está abandonando o governo. Pode ser o movimento inicial. E abriu a porteira, o resto sai", comenta. Para o analista, toda CPI exige do governo mudanças de rumo, e resta saber se Bolsonaro conseguirá mudar seu estilo.

Aliados têm dificuldades para rebater acusações

Brasília – À medida que a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da COVID avança, o governo tenta criar estratégias de desvio de foco. Na Câmara dos Deputados, por exemplo, os bolsonaristas instalaram uma comissão especial para discutir a proposta de emenda à Constituição (PEC) que determina a impressão de votos em eleições para fins de auditoria, mesmo que a questão já tenha sido declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF), de forma provisória (liminar).

Enquanto isso, o presidente, como de costume, aumenta a temperatura nas falas diárias, e nas redes sociais os parlamentares bolsonaristas tentam conter qualquer dano.

Analista político da Consultoria Dharma, Creomar de Souza afirma que, do ponto de vista da estratégia de contenção de danos na CPI, os senadores governistas têm encontrado muita dificuldade de achar um tom de fala. As estratégias de tumultuar os trabalhos ou defender a cloroquina foram insuficientes para neutralizar as críticas. "Isso não tem gerado resultado efetivo. Você cria um burburinho, mas a CPI tem avançado nas oitivas", diz.

De acordo com ele, até o momento, o governo adotou a lógica de criar um "elemento de diversionismo" quando tem crítica explícita. "Isso funcionou sobretudo ao fato de que o governo sempre foi articulado em termos de redes sociais. A militância sempre agiu nessa lógica, e isso permitia ao governo ir sobrevivendo", afirma. Como exemplo de diversionismo, ele cita a criação da comissão do voto impresso.

Cientista político e professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) de São Paulo, Marco Antônio Carvalho Teixeira também lembra as transmissões ao vivo semanais do presidente e as manifestações marcadas para este fim de semana em apoio a Bolsonaro. Na última semana, um fato chamou bastante a atenção na CPI: o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) chamou o relator da comissão, Renan Calheiros (MDB-AL), de "vagabundo".

O ato foi visto como desespero, mas também como estratégia. "O governo tem essa estratégia de tensionar pra tentar desviar o foco. Mas a tensão não desviou o foco, e, sim, aumentou. É um tiro no pé", avalia, dizendo que atos assim aumentam os holofotes sobre a CPI.

Para o sócio da Hold Assessoria Legislativa, o cientista político André César, o xingamento de Flávio Bolsonaro contra Calheiros, por exemplo, é uma estratégia calculada, para repercutir nas redes na bolha bolsonarista, ao mesmo tempo em que tenta mobilizar os "três mosqueteiros" (os senadores governistas que integram a CPI): Ciro Nogueira (PP-PI), Marcos Rogério (DEM-RO), Jorginho Mello (PL-SC) e Eduardo Girão (Podemos-CE).

"Toda sessão começa com questões de ordem, tentando tumultuar, postergar, e sempre começa com climão. É parte da estratégia do governo, para cansar os presentes, porque sabem que não são maioria", diz. O analista político afirma, no entanto, que os resultados são pífios.

Professora de ciência política da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UF-RJ), Mayra Goulart ressalta que o entorno do presidente gera "factoides" para desviar a atenção. "É estratégia deliberada do governo para tirar o foco da CPI e acalentar a base apoiadora, o seu núcleo original, que se sente abarcado quando ele faz (Bolsonaro) bravatas; é o núcleo duro do bolsonarismo, que se mantém leal a ele mesmo com a queda de popularidade", diz.