Telegramas apontam que Itamaraty foi usado para garantir cloroquina

Os documentos que indicam a atuação do ex-ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo foram obtidos pelo jornal Folha de S. Paulo

Telegramas apontam que Itamaraty foi usado para garantir cloroquina

Dados obtidos pelo jornal Folha de S. Paulo revelam que o ex-ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo mobilizou o órgão para garantir o remédio que é cientificamente ineficaz no tratamento da Covid-19, mas que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) defende. A hidroxicloroquina não é recomendada pelas instituições mundiais de saúde contra o vírus.

Em junho de 2020, o medicamento foi retirado, pela Organização Mundial da Saúde (OMS), dos estudos clínicos de testagem de drogas contra o novo coronavírus. Os trabalhos mostraram que a hidroxicloroquina não tem eficácia na queda da taxa de mortalidade de pacientes com a doença, na necessidade de ventilação ou no tempo de internação.

Segundo os telegramas, a mobilização do aparato diplomático do Brasil para conseguir a cloroquina começou pouco tempo depois de Bolsonaro falar em "possível cura para a doença", em 21 de março de 2020.

Cinco dias depois, no dia 26 de março, o chefe do Executivo disse, durante uma reunião do G20, existirem "testes bem-sucedidos, em hospitais brasileiros, com a utilização de hidroxicloroquina no tratamento de pacientes infectados pela Covid-19, com a possibilidade de cooperação sobre a experiência brasileira".

No mesmo dia do discurso de Bolsonaro no G20, Araújo exigiu que diplomatas tentassem "sensibilizar o governo indiano para a urgência da liberação da exportação dos bens encomendados pelas empresas antes referidas [EMS, Eurofarma, Biolab e Apsen]", mesmo que, à época, o governo indiano tivesse restringido a exportação da cloroquina.

Mensagem até à Opas

Já em 15 de abril, Araújo cobrou da embaixada da Índia uma resposta para a liberação de uma carga de hidroxicloroquina comprada pela empresa Apsen antes da exportação ser vetada. O Itamaraty também teria acionado, segundo os telegramas, a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) para a liberação deste lote que estava preso na Índia.

O chanceler apelou também a uma farmacêutica, sob a condição de que, se ela importasse a hidroxicloroquina, forneceria habitualmente para "Furp [Fundação para o Remédio Popular], Fiocruz, Laqfa [Laboratório Químico-Farmacêutico da Aeronáutica] e Laboratório do Exército".

Toda essa interlocução teria acontecido depois de instituições como a Sociedade Brasileira de Infectologia, a Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia e a Associação de Medicina Intensiva Brasileira, terem alertado para o uso do medicamento contra a Covid-19.

Na CPI

O ex-ministro será um dos ouvidos pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid-19, que investiga as ações e omissões do governo federal no enfrentamento à pandemia e, em especial, no agravamento da crise sanitária no Amazonas com a ausência de oxigênio, além de apurar possíveis irregularidades em repasses federais a estados e municípios.

Ernesto Araújo, inicialmente, falaria na próxima quinta-feira (13/5). Entretanto, a participação dele ficou marcada para 18 de maio, um dia antes da participação do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello.